domingo, 28 de agosto de 2011

A final

Tive que ir ao inferno para depois me recuperar.
Depois de lutar nas eliminatórias da equipe, onde conseguimos classificar o Brasil para a semi-final, era hora do individual. Eu estava me sentindo bem, solto, calmo na medida certa.
Comecei fazendo uma luta muito difícil contra um dinamarquês leve e rápido. Venci por 2x1.
À minha espera, estava o mesmo belga que tinha me vencido na equipe em 2006, quando perdemos para a Bélgica (2x2 em número de vitórias, mas perdemos pela diferença de um wazari).
Ele é o atual campeão europeu, está no auge, mas eu também me sentia muito bem. Seria uma batalha.
Não foi...
Logo no início da luta, ele encaixou um lindo mawashi geri jodan, que estalou no meu olho direito. Ipon. Meu olho inchou, e o ego murchou.
Mas no dia seguinte seriam as finais, e eu tinha que deixar o desânimo pela derrota para trás.
O belga acabou ficando entre os oito melhores do mundo no individual.
Foi graças ao meu grande amigo e companheiro de Seleção há trezentos anos, Wagner Pereira (SP), que consegui colocar a cabeça no lugar. Conversamos muito, e ele me ajudou a digerir a derrota, passar uma borracha em cima, e erguer a cabeça para o desafio do dia seguinte.
No domingo, dia das finais sobre o tablado suspenso do koto único, eu me sentia 100%.

Só de ver o tablado das finais, o coração deu uma acelerada, e o estômago apertou.
Acostumado desde cedo a ver as lutas finais da JKA, o tablado suspenso, os árbitros mais qualificados do mundo e as lutas filmadas pelas câmeras profissionais, eu mal podia acreditar que naquele momento, naquele dia, quem estaria lutando ali seria eu.
A equipe brasileira continuava fechada, focada, concentrada na missão que tinha pela frente. Nada nos distraía, desviava, fazia esquecer por um segundo que fosse do nosso objetivo ali: sermos campeões mundiais. E nós acreditávamos nisso.

Mas antes de sequer pensar no Japão, observar os lutadores nipônicos ou traçar qualquer estratégia, tínhamos que passar pelos canadenses, que vinham de vitórias consistentes contra Inglaterra e Rússia - a Rússia tinha classificado dois lutadores entre os "Best Eight" do individual. Por aí dá para ter uma idéia da força do Canadá.
Durante as finais de kata por equipes, eu só olhava para os canadenses. Imaginava como lutaria com cada um daqueles adversários, como traçaria minha estratégia.
Abri a equipe (Senpô), e, com a guarda alta (digeri a derrota, mas não esqueci do mawashi. Até porque não planejo levar outro) parti para a luta com minha estratégia definida. Consegui vencer por 2x0, e saí tranquilo, pois confiava em meus companheiros de equipe.
Vencemos por 3x1, e mais tarde vimos os canadenses vencerem os fortes noruegueses na disputa do bronze, por 4x1.
Estávamos na grande final, contra o Japão.
Parecia sonho, daqueles que a gente tem quando está treinando na nossa academia, ainda bem longe da competição. "Já pensou, Brasil e Japão na final..."
Pois era verdade.
Nosso técnico, Chinzô Machida, vinha observando os japoneses, tanto dentro quanto fora do kotô, e por isso percebeu que eles estávam nos estudando, traçando a estratégia para nos vencer.
"Eles estão preocupados, e cada um deles já imagina como vai lutar contra cada um de nós. Vamos atrapalhar os planos deles. Vamos misturar a equipe", disse ele.

Desde a primeira rodada, contra a África do Sul, a formação do time era a mesma: eu abrindo, Diego (BA) de segundo, Alison (SP) de terceiro, Take (PA) de quarto e Rafael (RS) fechando. Na final, Chinzô misturou tudo, em uma estratégia magistral que por pouco não dá certo.
Diego abriu, e mesmo perdendo, deixou os japoneses bem preocupados, pois foi para cima o tempo todo, e quase marcou um mawashi. Se os nipônicos por algum momento acharam que íamos entrar intimidados, Diego mostrou que não.
Alison perdeu por pouco, e entregou para Take - o melhor da equipe nas eliminatórias - a responsabilidade de não poder perder.
Na estratégia de Chinzô, Take lutaria contra Shimizu, e o paraense já tinha traçado como lutaria contra o famoso japonês. Mas o técnico do Japão também não é bobo, e tirou Shimizu, que não estava em seus melhores dias. Ele colocou os melhores na final. Take lutou contra o perigoso Kumeta, e correu atrás o tempo todo. Teve que se expôr, e levou um ponto. Depois o japonês segurou a luta até o final, inseguro de levar um wazari de Take.

Entrei com a mesma determinação, independente de não termos mais chance. Sensei Machida tinha dito no dia anterior: "isso não é esporte, é budô. Tem que lutar como samurai, não importa o que aconteça."
Entrei focado, e consegui encaixar um kizami zuki que pegou meu adversário em kyo completo. Acertei na ponta do queixo, e ele balançou. Sensei Masahiko Tanaka, o árbitro central, levantou o braço em minha direção: ipon.
Rafael Moreira entrou com amesma determinação, e foi bonito de ver o excelente Nemoto fugindo dele pelo koto. Rafa ainda encaixou um deai de gyako no peito, que achei que poderia ter sido ponto. No final, empate, e Japão vencendo por 3x1.

Foi por pouco...
Agora é focar no Mundial de 2014, na França, em busca do tão sonhado e merecido título mundial.
OSS!

Link para o vídeo no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ECq4zBSdhJA

3 comentários:

Ronald disse...

Quanto a sua luta: Simples, precisa e com timing perfeito. Ipon! Esse é pra guardar pra sempre! Parabéns de novo!

Aninha disse...

Oss! Bela vitória, parabéns para equipe! :))

KARATE-DO disse...

IPPON !! D+! Vi o vídeo da seleção no Egito umas 100 vezes (com Sensei Ugo, Ronaldo e cia...). O seu Ippon valeu por todos os pontos que o Brasil tomou nos dois mundiais (Egito e Tailandia). Vibrei muito vendo no youtube! Parabéns a seleção 2011!

OSS!
Paulo
(Kobukan-RJ)