sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Carta de um campeão

Segue abaixo, na íntegra, a carta que Rafael Moreira escreveu após o Mundial JKA da Tailândia (2011).
Rafael é bicampeão brasileiro JKA de kumite individual (2002 / 2008), ficou entre os oito melhores da América do Sul 4 vezes (2005/07/08/09) e entre os oito melhores do mundo em 2006 (Austrália). Por equipes, conquistou o bicampeonato sulamericano (2005/07) e recentemnte o vice mundial.
Abaixo, as palavras do campeão:


“Brasil faz história na Tailândia com a presença de 48 países e mais de 1000 atletas...

No dia 14 de agosto de 2011 embarquei com o objetivo representar o meu país no campeonato mundial de karate. Após 30hs de deslocamento, eu e os demais integrantes da seleção brasileira chegamos na cidade de Pattaya (Tailândia), local do evento.
Dia 18 de agosto fomos acompanhar os menores que competiram no mundial.
No momento que entrei no ginásio, um filme passou e não consegui segurar a emoção. No ano anterior estava me recuperando de uma cirurgia de ligamento cruzado (algo que não desejo a ninguém). Havia esperança de estar neste mundial tão incerto para mim, e antes de embarcar fiz uma festa com mais de 70 amigos. Foi o momento de absorver toda a energia possível! Pois sabiam o quê foi a minha recuperação.
Dia 20 de agosto acordei e fui assistir um DVD que um amigo havia me entregue a mais de dois meses. Por algum motivo deixei para assistir naquele dia. Realmente era um grande presente. Então decidi presentear a todos os adultos que iriam competir naquele momento. O resultado foi um grupo incendiado por uma vontade indescritível, onde a vitória seria a conseqüência.
Então entramos para honrar nosso país, nosso técnico nos incentivou ainda mais e nossos semblantes causavam medo em qualquer um. Os adversários não estavam preparados para tamanha energia. Desta forma passamos pela equipe da África do Sul, Nova Zelândia e Estados Unidos e nos qualificamos para as semi-finais que ocorreriam no dia seguinte.
Dia 21 de agosto, domingo. No tablado suspenso no centro do ginásio, todas as câmeras ficaram voltadas para Brasil x Canadá. Nossa equipe estava ainda mais obstinada, concentrada e muito unida. A equipe canadense não conseguia sustentar a troca de olhares, pois tamanha era a nossa energia. Nada nos distraía, desviava, fazia esquecer por um segundo que fosse do nosso objetivo ali: sermos campeões mundiais. E nós acreditávamos nisso, tanto que passamos pela forte equipe canadense e chegamos a tão sonhada final contra o hegemônico Japão.
Até a final mantivemos a ordem dos lutadores: 1º a lutar foi Jayme Sandall (RJ), 2º Diego Andrade (BA), 3º Alisson Batista (SP), 4º Take Machida (PA) e para fechar eu, Rafael Moreira (RS) – na reserva tínhamos Fernando Macedo (MG), o experiente Wagner Pereira (SP) e Chinzo Machida como técnico.
Montamos uma estratégia espetacular, colocamos como primeiro a lutar os menos experientes na equipe, retiramos dele toda e qualquer responsabilidade de ganhar. Sua obrigação era deixar claro aos japoneses, que não estávamos para brincadeira, e que iríamos lutar até o fim por nossa pátria.
Então subimos no tablado central para o último compromisso do evento e o mais aguardado. Lá estávamos nós, na grande final por equipe adulta. E não era apenas Brasil x Japão, era o mundo contra o Japão. Subimos naquele tablado com uma energia inexplicável, pois o a arquibancada inteira clamava por Brasil, Brasil, Brasil.
Como de praxe, cumprimentamos os árbitros e nossos adversários e partimos para batalha. 1º a lutar foi Diego Andrade (BA), que lutou como um verdadeiro guerreiro contra o apenas campeão mundial Iimura. Perdeu, mas foi sua melhor luta no mundial. 2º foi Alisson Batista (SP), que entrou com muita vontade contra o Inokoshi, também campeão japonês, Japão 2x0. Agora era o momento da virada, então entrou em 3º Take Machida (PA) - (irmão de Lyoto Machida, ex-campeão do UFC no peso meio pesados), Lutou contra o rápido Kumeta. Infelizmente Take teve que se expôr, e levou um wazari. Depois o japonês segurou a luta, mas foi pressionado até o final. E agora 3x0 Japão. O Brasil não tinha mais chance de ser campeão; pelo contrário, agora é que íamos mostrar para eles que não estávamos lutando por uma medalha, mas sim por honra. 4º foi Jayme Sandall (RJ) que entrou focado, desferiu um golpe (kizami zuki) no queixo do japonês, o qual nem sequer esboçou reação de defesa, resultando em ipon (um ponto perfeito), Japão 3x1. Agora era comigo, 5º a lutar, Rafael Moreira (RS-Canoas) contra o respeitado e experiente Nemoto. Nunca lutei com o espírito tão forte, pois como o primeiro da nossa equipe, o que eu não poderia perder seria nossa bravura. Acuei o Nemoto a luta inteira, fazendo um até wazari, que não foi marcado. Fomos aplaudidos por todos, pois mostramos o verdadeiro espírito de equipe. Fomos fortes e extremamente unidos, e cada um cumpriu seu papel no time.
Tenho muito orgulho desta equipe, tenho muito orgulho de ser brasileiro e fazer parte desta história. Nunca antes na história o Brasil havia chegado a uma final por equipe, e nunca o Japão perdeu nesta modalidade.
Nós mostramos que é possível ganhar deles, tanto individualmente, pois no ultimo mundial eu, Rafael Moreira e Chinzo Machida, ficamos entre o oito melhores do mundo, e agora por equipe vice-campeões mundiais. Estamos muito próximos de outras marcas.
A base desta equipe já tem 10 anos. Na maioria das vezes, abdicamos de férias, de bens e de valores que não possuímos para representar a nossa pátria. Isto é algo que os japoneses nunca irão entender, pois eles são profissionais e recebem para treinar e competir, treinam mais de 6 horas diariamente.
Enquanto nós treinamos o tempo que nos sobra, até 6hs por semana. Desta forma temos muito a conquistar. Possuímos armas que não se adquire com treinamento, nossa garra, união e espírito são forjados com o tempo e sofrimento.
Nós sim podemos dizer que somo campeões, eu, posso dizer com muita propriedade que sou um campeão, enquanto eles terão que dormir ao som de uma melodia:

“Verás que um filho teu não foge à luta
Nem teme, quem te adora, a própria morte.

Terra adorada
Entre outras mil
És tu, Brasil,
Ó pátria amada!

Dos filhos deste solo
És mãe gentil,
Pátria amada,

BRASIL!”

Devemos muito, em todos estes anos aos mestres, Yochizo Machida e Yasuyuki Sasaki dirigentes e técnicos da seleção brasileira e Alfredo Aires, diretor técnico da Federação Sul Rio-grandense de Karate-Do Tradicional (meu técnico e professor).

Particularmente, agradeço o apoio da prefeitura de Canoas, a Federação Sul Rio-grandense de Karate-do Tradicional, academia Medley e a todos os amigos que fizeram para deste momento histórico.

Agora é focar no Mundial de 2014, na França, em busca do tão sonhado e merecido título mundial.

OSS!!!”

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