quarta-feira, 23 de agosto de 2023

IV Campeonato Pan-americano de Karate JKA 2023

 


Aconteceu, entre os dias 18 e 20 de agosto de 2023, na capital da Colômbia, Bogotá, o IV Campeonato Pan-americano de Karate JKA.

Com a presença de cerca de 500 atletas das Américas, esse foi um dos campeonatos com o nível mais alto, em todas as categorias. O Brasil levou a maior delegação com 96 atletas, um recorde que enche de orgulho a JKA do Brasil!

No sábado, as categorias de base, até 18 anos, os atletas demonstraram maturidade e experiência, apesar da pouca idade. Katas e lutas de altíssimo nível emocionaram o grande público presente. O Brasil, sempre muito forte nessas categorias, manteve a escrita de conquistar muitos títulos tanto no kata quanto no kumite.

Lutando contra a altitude, os atletas não se deixaram abalar, e mesmo com falta de ar, garantiram uma chuva de medalhas para o Brasil.

Gostaria de escrever sobre cada um dos participantes do Brasil, sobre cada um dos medalhistas. Mas o espaço é limitado e muitas as categorias! Escolhi então dois momentos que ilustram o espírito inabalável da nossa Seleção.

Manuela Vianna, 13 anos, tinha sido muito prejudicada ao não ser devidamente chamada para fazer o kata, mesmo tendo o técnico brasileiro o tempo todo na beira do koto, e mesmo todos percebendo que o barulho no ginásio era ensurdecedor. Ela foi ignorada, e não pode tentar o bicampeonato pan-americano (fora campeã em 2022). Muitos teriam desistido da categoria seguinte, o kumite. Muitos teriam dito que estavam abalados demais para lutar depois desse erro grave do evento. Muitos adultos teriam simplesmente desistido.

Mas não Manu....

Ela se acalmou rapidamente depois desse imenso abalo psicológico, e voltou. Lutou com todo seu coração, e saiu do torneio com a medalha de bronze. Pouco, se pensarmos no potencial da atleta. Mas muito se pensarmos no quanto ela se superou para buscar essa medalha.

Arhur Castilho (PA), lutava em uma das categorias mais cheias do evento - o 15/16 anos masculino.

Fiquei impressionado com o nível dos 33 atletas da chave, que faziam lutas impressionantes, inclusive com alguns knockdowns e ippon que não deixam nada a desejar se comparados com as lutas adultas.

Um a um, Arthur foi vencendo seus adversários, aplicando inclusive um ippon que poucas vezes vi igual, e consagrou-se campeão depois de vencer 5 adversários de forma incontestável!

Esses dois representam o espírito de todos os atletas, que foram fundamentais para colocar o Brasil no pódio em quase todas as categorias.


No domingo, as categorias máster, e o principal, o adulto.

No máster, eu poderia escrever 200 linhas e ainda não seria suficiente.

Poderia contar em detalhes como Mário Cadena conquistou de forma brilhante o título no kumite acima de 61 anos; detalhar cada luta que Pedro camacho fez para conquistar o bicampeonato em uma das categorias mais difíceis, o kumite masculino 40-45 anos; poderia escrever sobre as medalhas de Luciana Metzker e Tatiana Duque, ou ainda sobre as lutas incríveis de André Sampaio e Edson Luciano, dignas de grande finais da categoria adulto; gostaria de escrever 5 parágrafos sobre o Unsu impressionante de Marcio Stein, que trouxe mais um ouro para o Brasil...

Fica aqui registrada a profunda admiração por esses atletas que superam inúmeras dificuldades só para estarem ali, competindo, e ainda conseguem um desempenho de dar inveja e ajudam o Brasil a se firmar como uma das principais potências do karate dentro das Américas.

ADULTO

No feminino, já era esperado um nível altíssimo, como tem sido em todos os pan-americanos JKA.

No kata por equipes, as campeãs brasileiras de 2023 Letícia Bastos, Jéssica Araújo e Martinna Rey conseguiram repetir o desempenho excelente do brasileiro nesse pan. Conquistaram a prata, logo atrás das argentinas. A sincronia das atletas foi de encher os olhos. A estreante na Seleção, Jéssica Araújo, não mostrou nervosismo e provou estar à altura do desafio, compondo com suas companheiras uma equipe que por muito pouco não ficou com a medalha de ouro.


No individual...

Eu poderia ser preguiçoso, e copiar e colar o texto que escrevi ano passado, sobre o pan-americano do Chile.

Poderia me repetir, dizer as mesmas coisas.

E a culpa não seria minha! Não seria por acomodação, falta de inspiração ou simplesmente pressa. Nada disso.

A culpa seria da atleta, Manuela Spessatto.

Sim, culpa dela. Culpada por ser campeã todo ano, desde 2012; culpada por seguir treinando cada vez mais, tentando melhorar e jamais se acomodando com a coroa de campeã.

Culpada por ser infalível.

A jóia da nossa Seleção, a nossa certeza em todos os campeonatos continentais desde 2008, mais uma vez ficou com a medalha de ouro naquela que provavelmente é a categoria mais difícil: o kata individual feminino adulto.

São agora 4 títulos nos 4 pan-americanos (2018/2019/2022/2023), além de mais 5 títulos sul-americanos (2008 / 2012 / 2013 / 2015 / 2016). Apenas 9 vezes campeã nas Américas. Apenas...



No kumite individual, as brasileiras foram vencendo dos dois lados da chave. De um lado, Letícia Bastos passou pela companheira de Seleção, Débora Nascimento, no confronto das 8 melhores. Nessa mesma chave, Martinna Rey só não avançou porque nocauteou a adversária, e infelizmente houve um excesso de contato (nariz quebrado) que fez com que fosse desclassificada (hansoku).

Do outro lado da chave, Manuela Spessatto e Sara Ladeira se classificaram, colocando assim, três brasileiras entre as 4 melhores!

Julieta Villarino (Argentina), uma das lutadoras mais técnicas do evento, conseguiu passar pela atual tricampeã brasileira JKA, Letícia Bastos, e esperou pelo confronto brasileiro na oura semi. Sara Ladeira conseguiu uma vitória sobre a duríssima Manuela Spessatto, que luta com a mesma intensidade e qualidade com que faz kata.

Na grande final, a argentina conseguiu levar o ouro em uma luta muito, mas muito apertada mesmo! Foi apenas no detalhe, depois de uma troca de golpes, que ela ficou com o título. Vitória merecida de uma atleta excepcional.



No kumite por equipes, arquibancada lotada na torcida pelas brasileiras em uma final muito esperada: Brasil x Argentina.

Sara Ladeira abriu a disputa. Em uma luta emocionante, venceu a fortíssima argentina Ayelen, abrindo 1 x 0 para a equipe do Brasil. Lutando com uma energia incrível, a paulista saiu do koto e energizou suas companheiras.

Melhor brasileira na chave individual, ela não sentiu o peso da responsabilidade: pelo contrário, usou isso como combustível para pressionar a argentina e ficar com a vitória.

Letícia Bastos foi a segunda.. Apesar de ter disputado as quatro categorias (kata individual e por equipes, kumite individual e por equipes), a baiana não demonstrou nem um pingo de cansaço, muito pelo contrário. Ela perdeu por 2 x 1, e mesmo com a derrota, manteve a energia positiva das brasileiras, pela qualidade da sua luta.

Manuela Spessatto fecharia a disputa, enfrentando a argentina campeã individual.

Juliana Villarino vinha cheia de moral. Segura, consciente e empurrada pela animada torcida argentina, ela pisou no koto com a certeza de que daria o título para o seu país.

Mas se tinha alguém preocupado com o resultado dessa luta, se enganou. Manuela venceu a argentina por 2 x 0, conquistando o ouro pra a equipe feminina!

Eu, da beira do koto, confesso que senti uma emoção que poucas vezes senti em minha carreira de atleta. Não tenho como descrever o orgulho que senti, a honra em ter estado ao lado das meninas nessa final.




MASCULINO

No kata individual, consguimos classificar dois atletas entre os 8 melhores das Américas: Lucas Coimbra e Leão Mazur.

Lucas acabou pisando fora do koto em sua apresentação do Gojushiho Sho, e isso fez com que sua nota - que certamente o colocaria no pódio -, ficasse mais baixa, tirando suas chances. Leão Mazur ficou em 5º lugar, e deixou de medalhar por apenas 2 décimos.

O argentino Federico Hussein se firma cada vez mais como um dos melhores atletas de kata do mundo, e acredito que ficará entre os 8 melhores do mundo no Japão em 2024.


No kata por equipes, o time brasileiro conseguiu se classificar para a final, repetindo a excelente atuação que lhes deu o título brasileiro de 2023.

Rogério Higashizima, Andrew Marques e Luan Caio conquistaram a medalha de bronze. Infelizmente ainda não foi dessa vez que a hegemonia argentina nessa categoria foi quebrada.

Os hermanos venceram o kata por equipes 12 vezes em 14 edições do campeonato continental da JKA (o Brasil ficou com os títulos em 2010 e 2015)


No kumite individual, mais de 70 atletas na chave.
Cada luta era como uma final, e passar cada rodada uma grande conquista.
Diego Andrade foi o único brasileiro a se classificar entre os 8 melhores das Américas, feito que já havia conquistado em 2022 (medalha de bronze) e em 2013.
Infelizmente Diego foi superado por um argentino em uma luta muito disputada, vencida pelo hermano no detalhe, e não conseguiu repetir o pódio do ano passado.

O recordista em participação entre os 8 melhores das Américas segue sendo o brasileiro Jayme Sandall, com 7 vezes (2002 / 2007 / 2008 / 2012 / 2018 / 2019 e 2022), seguido pelo chileno Rodrigo Rojas (2012 / 2013 / 2015 / 2016 / 2018 e 2022) e pelo brasileiro Rafael Moreira (2005 / 2007 / 2008 / 2009 / 2015 e 2016).

Entre os 4 finalistas, 3 argentinos e um chileno. Na grande final, o atleta argentino mais veterano ficou com o título, em uma final cheia de reviravoltas. 
Ismael Schneider ficou com o título pela primeira vez em sua carreira.

No kumite por equipes, Ismael liderou os argentinos, que, em uma semi-final de tirar o fôlego, empataram contra os atuais campeões. Depois das 5 lutas, persistiu o empate entre Argentina e Chile. Os chilenos mandaram Julio Silva, que ficou entre os 8 melhores do mundo em 2017, e veterano de sua equipe, enquanto os argentinos mandaram Ismael. Nessa disputa, Ismael conseguiu a vitória por 2 x 0, levando seu time á final.

Na outra chave, o Brasil pegou os donos da casa em uma disputa que incendiou as arquibancadas. Nunca vi uma energia tão grande vindo das arquibancadas, e até do staff de apoio dentro do ginásio!
Mas os brasileiros souberam equilibrar as emoções e venceram por 5 x 0.

Era hora da grande final, e, a exemplo do feminino, o maior clássico das Américas na JKA: Brasil x Argentina.
Os hermanos vinham embalados pela excelente participação no individual. Mas os brasileiros estavam focados e se preparando para essa luta.
Da beira do koto, atuando pela primeira vez como um dos técnicos, e não do lado de dentro lutando, senti emoções conflitantes.

É muito difícil ficar de fora!
Por outro lado é bom poder ter uma visão mais clara das coisas, poder traçar uma estratégia mais racional.

Vi, com imenso orgulho, a equipe brasileira lutar de uma forma irrepreensível.
João Lima abriu a disputa, na posição que foi minha por mais de duas décadas: Senpo, a primeira luta da equipe. E ele representou perfeitamente o espírito do lutador que abre a disputa. Empatou em um confronto de tirar o fôlego!
Em seguida, o melhor lutador brasileiro do individual, Diego Andrade. O brasileiro saiu atrás, mas teve calma, frieza e competência para empatar, entregando para Matheus Cirillo, campeão brasileiro de 2019 e 2022.
Matheus levou um wazari, o que gelou os companheiros de equipe. Mas ele não se abalou, e conseguiu virar a luta! Brasil estava na frente.
Luis Fernandes, estreante na Seleção Brasileira adulta, entrou na grande final, e, apesar do esmagador peso da responsabilidade, lutou como poucos lutariam: atitude, garra, velocidade e coragem. O argentino conseguiu a vitória por 2 x 0, deixando os hermanos na frente (pelo critério de desempate, a vitória por 2x0 vale mais que a vitória por 2x1 de Cirillo)
Peterson Lozinski entrou precisando vencer a qualquer custo.
Diante dele, o campeão individual, Ismael Schneider.
Peterson não se deixou intimidar pelo recém campeão, e conseguiu trazer o adversário para uma armadilha, obrigando-o a atacar. O brasileiro foi muito frio e inteligente para marcar seu primeiro wazari.
Depois disso, poderia ter posto tudo a perder fugindo, recuando, com medo de levar o empate. Mas ele marcou o segundo ponto selando de vez a vitória brasileira e trazendo o título de kumite por equipes masculino de volta para o Brasil depois de 7 anos.


Comissão técnica IV CAMPEONATO PAN-AMERICANO DE KARATE JKA 2023
- Supervisão técnica: sensei Machida e sensei Kazuo Nagamine
- técnico geral: Fábio Simões 
- técnicos: Carolina Zampa, Roberto Pestana, Wagner Pereira, André Sampaio e Jayme Sandall 

CORPO DE ARBITRAGEM:
- sensei Alfredo Aires
- sensei Ruy Koike
- André Reis, Norberto Sgavioli e Roberto Batista



RELATO PESSOAL

"Foi minha primeira competição como técnico, apenas técnico. Eu já tinha sido técnico outras vezes, mas também competia.
As coisas que senti me remeteram à época em que fui treinador de MMA do Vitor Belfort, quando o preparava para luta que eu mesmo não iria disputar...
 Nessa época, quis muito lutar MMA, cheguei a me preparar< mas meu ombro esquerdo sempre se metia no caminho, com dores que me lembravam que eu jamais poderia fazer uma luta agarrada, correndo risco de encerrar minha carreira à menor chave de braço ou clinche mais forte...
Eu aceitei isso. Aceitei que seria apena treinador daquela modalidade. Mas eu tinha minhas competições de karate para compensar, para me sentir atuante, para me fazer um atleta de luta - meu sonho de criança.

Dessa vez, pela primeira vez, um técnico completamente aposentado das competições.
Foi muito, muito bom mesmo.
Emocionalmente desgastante, mas compensador demais. Me entreguei 200 %, lutei com cada atleta que eu estava do lado, no koto; fiz cada kata junto, vibrando com o kime e com a base firme, rezando para as notas serem altas...
Me emocionei, senti raiva, frustração, felicidade, vontade de chorar.

E, durante o adulto, veio a vontade de lutar....
a fortíssima vontade de estar ali dentro. De colocar meu kimono, minhas luvas, o esparadrapo no dedo do pé, passar vaselina no rosto, encaixar o protetor de boca; dar o meu pulo de preparação e virar de frente para meu adversário, completamente cego e surdo para tudo que fosse de fora daquele koto.
Que saudade, meu Deus...
Que vontade de lutar, seguir competindo até não poder mais andar, até onde minha foças me levassem.

Por outro lado, ver os atletas, ajudar nem que seja com uma palavra, um abraço, uma energia, uma dica; nem que seja trazendo água ou conferindo a chave. Senti que ajudei, 1, 2, 3%. Mas me senti ali, competindo junto.
Essa energia acalmou meu coração de lutador e controlou minha vontade.

Agora é lutar dentro da academia, com meus alunos, que vão "sofrer" lutando comigo até eu não poder mais andar, até minhas pernas falharem quando eu for bem velhinho (tomara...).
Enquanto eu tiver forças para ficar de pé, seguirei lutando.." 


quarta-feira, 24 de maio de 2023

Campeonato Brasileiro de karate JKA 2023


Foi realizado, na Cidade Maravilhosa, o XXIII Campeonato Brasileiro de Karate JKA. Entre os dias 17 e 19 de maio de 2023, aconteceu o curso internacional, ministrado pelos mestres Yoshizo Machida (presidente e instrutor chefe da JKA Brasil) e Naka Tatsuya (instrutor da JKA-Japão).

O evento só foi realizado devido ao apoio dos patrocinadores, que acreditaram e investiram no projeto, transformando uma ideia, um sonho, em realidade:
Patrocinador Master - ENEL
Apoio: - Secretaria do Estado de Esporte e Lazer do RJ
- Kimonos Katai
- Pestana Sports

Houve presença recorde de praticantes, com mais de 700 karatecas treinando na Arena 2 do Parque Olímpico da Barra da Tijuca.
Indescritível a sensação de fazer parte dessa confraternização do karate Shotokan. os mais de 700 participantes fazendo o kata Heian Shodan em perfeita sincronia, foi de arrepiar!







Nos dias 20 e 21, foi realizado o 23º campeonato brasileiro.
No sábado, dia das categorias de base (infanto-juvenis e categorias aspirante), o que se viu  foram disputas acirradas e um alto nível técnico.  A organização impecável da JKA-RJ, nas figuras de seu presidente, sensei Roberto Pestana, seu instrutor-chefe, sensei Ugo Arrigoni, e seu chefe de arbitragem, sensei André Reis, foi elogiada por todos. Um campeonato com mais de 500 participantes foi conduzido de forma organizada e sem nenhum incidente grave.

No domingo, dia das categorias master, 19 e 20 anos, e a categoria principal: o adulto.

Poucas vezes vi um nível tão alto, com uma quantidade de atletas de excelência disputando cada rodada como se fosse uma final.





FEMININO

No kata por equipes, a Bahia quebrou a hegemonia das gaúchas, e conquistou o tão cobiçado título depois de três vice-campeonatos seguidos (2019, 2021 e 2022), levando o ouro depois de 5 anos. Letícia Bastos, Martinna Rey e Jessica Araújo foram impecáveis em sua apresentação. Jessica não sentiu o peso de estar entre duas veteranas de Seleção Brasileira, com tantos títulos no currículo. A equipe foi perfeita!




No kata individual...
Eu poderia aqui fazer um "copiar e colar" dos textos dos últimos 10 anos.
Sim, isso mesmo: há dez anos que a campeã é a mesma pessoa. A mesma atleta, que já tinha dois títulos (2010 e 2011), simplesmente não perde desde 2013, chegando à inacreditável marca de 10 títulos seguidos (12 no total)
Manuela Spessatto (RS), a infalível, mais uma vez foi o que sempre é nessa categoria: impecável.
Não acho que a maioria das pessoas têm noção do quanto de treino é necessário para se manter no topo por tantos anos. É algo praticamente impossível!
Na arquibancada, assistindo ao campeonato, uma presença de luxo: a grande campeã Adairce Castanhetti (MT), que foi campeã brasileira de kata individual no karate Tradicional por 21 anos consecutivos! Será que Manuela chegará nessa marca? Observando a qualidade de seu kata, acho bem possível...




Letícia Bastos e Cristiane Babinski (RS) fecharam o pódio, confirmando seu status de melhores atletas de kata do Brasil, junto com Manuela, conquistado no Panamericano de 2022, quando ficaram em 1º, 3º e 4º lugares, respectivamente.

No kumite individual, Letícia Bastos era a atleta a ser batida. Vindo de dois títulos consecutivos na JKA (2021 e 2022) e do título de kumite individual no karate Tradicional (2022), a baiana era o foco das adversárias.
Nas semifinais, Letícia teve que passar pela pentacampeã (2011, 14, 15, 16 e 19), Manuela Spessatto, que vinha embalada pelas excelentes lutas que fazia. Foi um duelo de gigantes, pois a gaúcha, além de ser invencível no kata individual, é uma das melhores atletas de kumite da história, tendo conquistado o título individual cinco vezes.
 Na outra semi, Sara Ladeira (SP) contra a estreante em campeonatos brasileiros JKA, Suellen Souza (PR). Apesar de estar estreando na JKA, Suellen é uma das maiores lutadoras da atualidade no karate Tradicional, tendo sido campeã brasileira de kumite individual em 2021, e campeã de fukugo (categoria que alterna kata e luta) em 2017. Pela Seleção Brasileira Tradicional, foi vice-campeã mundial de kumite individual em 2019 e 2022.
Letíícia e Sara venceram suas duras lutas contra essas adversárias extremamente perigosas e  se classificaram para a finalíssima.


Na grande final, uma reedição da final de 2021. Sara Ladeira, campeã brasileira Tradicional em 2019, ainda estava em busca de seu primeiro título de kumite individual na JKA, tendo sido vice em 2019 e 2021. 
Focada, Sara estava decidida a levar o ouro para São Paulo. Só que do outro lado, ela enfrentava uma Letícia muito inspirada e confiante.
E que luta!
Uma grande final que emocionou demais o público. Uma luta estratégica, onde qualquer uma sabia que o menor erro seria fatal.
Letícia fez valer seu refinado tempo de luta, e ficou com o título pela terceira vez seguida, juntando-se à Manuela Spessatto (2014, 2015 e 2016) como as duas únicas atletas a conquistar o tricampeonato seguido.

No kumite por equipes, a Bahia passou pela perigosíssima equipe do Rio Grande do Sul, que contava com a atual campeã pan-americana de kumite individual, Samantha Martello. Do outro lado da chave, a equipe de São Paulo passava pelo Paraná, em busca do tricampeonato consecutivo (vinham dos títulos de 2021 e 2022)
Na grande final, no koto central, muita tensão.
Na primeira luta, a estreante em campeonatos brasileiros, e atual campeã baiana de kumite individual, Andressa Gonçalves, não se intimidou diante da mais experiente Débora Trindade. Em uma luta espetacular, elas empataram.
Na luta seguinte, Letícia Aragão, embalada pelo título individual, enfrentou Lorena Lima, e venceu, confirmando o status de melhor lutadora do Brasil da atualidade, na JKA.
Na terceira e última luta, Sara Ladeira teria que vencer a qualquer custo para empatar a disputa e forçar uma luta de desempate. Mas diante dela estava uma gigante. Uma atleta que já venceu inúmeros títulos brasileiros e internacionais, veterana da Seleção Brasileira, tanto JKA quanto Tradicional. Martinna Rey não se expôs, e , fazendo uma luta muito inteligente, conseguiu vencer a perigosíssima Sara, selando a vitória da equipe da Bahia.




MASCULINO

No kata por equipes, São Paulo reconquistou o título, que estava nas mãos da equipe da Bahia, vencedora da categoria em 2022. Andrew Marques, Rogério Higashizima e Luan Caio levaram São Paulo mais uma vez ao lugar mais alto do pódio. São Paulo é o Estado que mais vezes levou o ouro no kata por equipes masculino, com nada menos do que 10 títulos conquistados!

No kata individual, um atleta da Bahia, veterano apesar de ainda ser muito jovem, uma pessoa que se dedica de corpo e alma aos treinos desde criança, e que sonhava em ser campeão brasileiro de kata individual, conseguiu alcançar seu grande objetivo. Vindo da medalha de prata no ano passado, dessa vez ele não deixou o título escapar, e sagrou-se campeão brasileiro de kata individual - talvez o título mais disputado e difícil de conquistar nesse campeonato.




No kumite individual, duelos entre gigantes do karate JKA.
De um lado da chave, João Lima (PA), que vinha de um excelente pan-americano no ano passado, confirmou sua ascensão e, em excelente fase, venceu lutas dificílimas em seu caminho. Venceu Douglas Albano (RS) na primeira rodada, lutando em seguida contra Leão Mazur (BA), companheiro de Seleção Brasileira e vice-campeão de kumite individual em 2018. João conquistou a vitória com um wazari no último segundo. Literalmente último segundo!
Depois, teve que passar por Peterson Lozinski (SP), vice-campeão de 2019 e 2022 em uma verdadeira batalha. Na semifinal, venceu o perigoso Andrew Marques (SP), que vinha de vitória sobre Diego Andrade (BA), melhor lutador brasileiro do pan-americano do ano passado, e um dos melhores atletas de kumite de sua geração.




Do outro lado, o veteraníssimo Jayme Sandall (RJ), fazia sua despedida das competições diante da torcida - seus amigos, alunos, e sua família. Foi a primeira vez que ele lutou diante da sua família, e isso poderia tê-lo abalado muito.
Mas a experiência falou mais alto, e ele conseguiu render em uma chave de pesadelo!
Teve que passar pelo duríssimo Anderson Berne (SP), pelo perigoso Victor Rocha (PA), e por um dos seus melhores amigos, a lenda viva Rafael Moreira (RS), no caminho para a semi. E, na semifinal, se viu diante do melhor atleta de kumite do Brasil nos últimos anos: Matheus Cirillo (SP).
Vindo de três finais consecutivas (2019, 2021 e 2022), com dois títulos (2019 e 2022), Matheus era o lutador a ser batido naquela chave.
O paulista fez um wazari, e ficou em vantagem. Mas Jayme teve paciência e conseguiu o empate. Logo em seguida, Matheus entrou e Jayme conseguiu encaixar um deai (golpe de encontro), virando a luta.
Ele faria sua nona final de campeonato brasileiro JKA, no kumite individual. Campeão em 2010, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, e vice-campeão em 2003 e 2013.

Na grande final, uma surpresa: o sensei Naka Tatsuya foi o árbitro central, abrilhantando ainda mais o evento.




Tudo parecia com um roteiro de filme: o atleta Jayme Sandall, fazendo sua despedida diante da torcida, em casa, chegava a mais uma final, arbitrada pelo mestre Naka, contra um atleta da nova geração.
Parecia tudo pronto para o final com Jayme como o grande campeão!
O choque de gerações com o final glorioso do mais velho.
Mas do outro lado havia João Lima, e ele não ia querer ver esse final. O final do filme dele seria bem diferente...

O paraense, que conhece Jayme desde que era atleta infantil, chegou querendo a vitória.
A luta foi tensa desde o início, com os dois mostrando uma vontade de vencer que encheu os olhos do público. Não era apenas uma luta por pontos, mas sim uma luta de karate marcial, onde cada um queria encaixar seus golpes de forma contundente.

João saiu na frente com um gyako zuki de go no sen (contra-ataque) no tempo perfeito.

Jayme empatou com um mae geri (chute frontal) que explodiu na barriga do paraense, levantando a torcida.
Mas João também tinha muita torcida, e eles foram ao delírio quando ele conectou uma sequência de kizami e gyako que pegou em cheio no rosto de Jayme, sem chance de defesa.

O carioca não conseguiu mais correr atrás, e a luta terminou assim após 5 minutos: 2 x 1 para João, que consagrou-se como o grande campeão brasileiro de kumite individual.

Abro agora espaço para deixar meu depoimento pessoal desse momento:
"Era como um filme mesmo. Eu não estava acreditando que tinha tido a bênção de estar naquela final, diante dos meus amigos, meus alunos, minha família!
Era bom demais para ser verdade.
Eu daria o meu máximo para fechar com chave de ouro e conquistar o título...
Mas João conseguiu lutar bem demais. Foi paciente, inteligente, e mapeou muito meu jogo. Senti que poderia ter vencido, mas também sentia a derrota me rondando. A luta estava muito igual, perigosa, e em nenhum momento senti que qualquer um dos dois estava com o controle do combate.
Em determinado momento chutei um mae geri, e meu dedo médio dobrou, abrindo um corte muito feio. Vi o sangue saindo em grande quantidade e senti uma dor aguda. pensei: alguma coisa grave aconteceu.
Consegui lutar até o fim, e ainda tentei empatar nos segundos finais. 
Mas o título tinha sido conquistado por aquele lutador que eu tinha visto crescer, conhecia desde criança, e que agora era meu companheiro na Seleção adulta. O título estava em excelentes mãos. Ficou exatamente com quem deveria ficar.
E no final, me senti feliz e satisfeito como se tivesse vencido. A luta, uma verdadeira batalha, ficará marcada para sempre na minha cabeça e no meu coração. E isso é muito mais importante do que qualquer título.
Depois de tudo, na emergência do hospital esperando para levar seis pontos no dedo do pé, pensei em tudo que já passei nessa carreira de atleta. Sorri emocionado, mesmo esperando pelas dolorosas agulhas de sutura. Acho que a gente, que luta karate, é meio doido mesmo..."


Na última categoria, o kumite por equipes, um choque entre São Paulo e Pará.
O Pará vinha com uma equipe mista, mesclando experiência (André Sampaio e Edson Luciano) com juventude (João Lima, Victor Naoto e Victor Rocha). Provando que essa é uma fórmula ideal para uma equipe, eles passaram pelos donos da casa, a equipe do Rio de Janeiro, e pela fortíssima Bahia no caminho da final.
São Paulo vinha embalada por sua vitória contra os mineiros na outra semi, e tentava o tricampeonato consecutivo (foram campeões em 2021 e 2022).
Os paraenses foram impecáveis. 
Na primeira luta, Anderson Berne (SP) fez 1x0 sobre Victor Rocha. Ma o paraense conseguiu empatar nos últimos segundos.
André Sampaio usou toda sua experiência e qualidade técnica para vencer Peterson Lozinski, um dos lutadores mais perigosos do Brasil na segunda luta.
Na terceira luta, o campeão individual João Lima enfrentou o campeão de 2022, Matheus Cirillo. Foi uma luta extremamente cerebral, onde João conseguiu segurar o empate, mantendo o Pará à frente.
Na quarta luta, Victor Naoto (PA) conseguiu um lindo ippon de mawashi geri jodan sobre o experiente Andrew Marques.
Na última luta, Edson Luciano (PA) venceu Rodrigo Arita (SP) por 1 x 0, dando o título para o Pará.

Ao final do evento, ficou a sensação de que foi realizado o maior campeonato brasileiro da história da JKA.
Mérito total á JKA do Brasil e à JKA do Rio de Janeiro, organizadora do evento, na figura de seu presidente, sensei Roberto Pestana, seu instrutor-chefe, sensei Ugo Arrigoni, e muitos outros que ajudaram imensamente na realização do evento, em especial aos professores André Reis, Paulo Pestana, Simone Caldas e Ary Arsolino, e ao grupo de voluntários que trabalhou incansavelmente durante uma semana para que esse sonho pudesse sair do papel e virar realidade.
Sem a  união e o apoio de tantas pessoas, jamais conseguiríamos realizar esse evento indescritível.
OSS!


RESULTADOS XXIII CAMPEONATO BRASILEIRO JKA 2023

FEMININO

- KATA POR EQUIPES: 1) BA (Letícia Bastos, Jessica Araújo e Martinna Rey) / 2) RS (Manuela Spessatto, Samantha Martello e Cristiane Babinski) / 3) SP (Lorena Lima, sara Ladeira e Laís)

- KATA INDIVIDUAL: 1) Manuela Spessatto (RS) / 2) Letícia Bastos (BA) / 3) Cristiane Babinski (RS)

- KUMITE INDIVIDUAL: 1) Letícia Bastos (BA) / 2) Sara Ladeira (SP) / 3) Manuela Spessatto (RS) - 3) Suellen Souza (PR)

- KUMITE POR EQUIPES: 1) BA (Andressa Gonçalves, Letícia Bastos e Martinna Rey) / 2) SP (Lorena Lima, Débora Trindade, Sara Ladeira e Laís) / 3) PR (Fernanda Carreiro, Kessi, Luana e Keith) - 3) RS (Manuela Spessatto, Samantha Martello, Andressa e Alana)

MASCULINO

- KATA POR EQUIPES: 1) SP (Andrew Marques, Rogério Higashizima e Luan Caio) / 2) BA (Leão Mazur, Lucas Coimbra e Fabrício) / 3) RS (Douglas Albano, Augusto Spessatto e Frank Manera)

- KATA INDIVIDUAL: 1) Lucas Coimbra (BA) / 2) Leão Mazur (BA) / 3) Wendell Gonçalves (RJ)

- KUMITE INDIVIDUAL: 1) João Lima (PA) / 2) Jayme Sandall (RJ) / 3) Matheus Cirillo (SP) - 3) Andrew Marques (SP)

- KUMITE POR EQUIPES: 1) PA (Edson Luciano, André Sampaio, Victor Rocha, Victor Naoto e João Lima) / 2) SP (Matheus Cirillo, Anderson Berne, Peterson Lozinski, Andrew Marques e Rodrigo Arita) / 3) MG (Fernando Macedo, Artur Tafuri, Geraldo Mendes Jr., Ricardo Marra e Jefferson Gonçalves) - 3) BA (Diego Andrade, Leão Mazur, Oscar Arancibia, Fabrício, Lucas Coimbra, Anderson Silva e Antônio Carlos Tanner)