domingo, 29 de novembro de 2009

MUNDIAL JKA 2004 - PARTE 2

Placa de informações dentro do Honbu Dojo
O prédio da NKK - Honbu Dojo

No metrô.


O dojô do sensei Tanaka - um dos três locais onde treinava.
Ao lado do simpático sensei Imura - pentacampeão mundial da JKA (kata individual e por equipes)




A emoção de pisar pela primeira vez num kotô oficial de um mundial da JKA é indescritível. Para mim, foi um misto de medo, ansiedade, excitação, espírito de luta. Debutei contra um dinamarquês assustador, careca e grande como um urso. Trocamos porrada por um minuto, até que eu finalmente esfriei a cabeça e pensei “tenho que vencer a luta, e não sair no braço”. Mais calmo, cravei dois wazari idênticos, mergulhando de forma Kamikaze, passando por baixo do gyako dele, que tentava arrancar minha cabeça.
Nas quartas-de-final contra a Argentina, venci minha luta contra o então campeão sulamericano individual Pablo Parasuco por 2x0, mas o Brasil perdeu, e os hermanos terminaram como vice por equipes, perdendo a final para o Japão.
No individual, perdi para um belga carne de pescoço por 1x0. Na luta seguinte ele apagou um russo, e perdeu por hansoku – um dos poucos que vi no mundial.
Depois do mundial, no dia seguinte, fomos à universidade Kokushikan para participar de um desafio. Um “amistoso” entre seleção brasileira e seleção da Kokushikan. Amistoso... sei! O pau cantou dentro do impecável dojô da Kokushikan.
Lembro-me que antes houve um treinamento, puxado pelo sensei Yokomichi, que mais tarde foi o juiz central das lutas. Percebi que os japoneses estavam treinando bem leve, bem solto, enquanto os brasileiros davam tudo de sim, empolgados. Fui lá para o fundo do dojô, e comecei a treinar ainda mais leve do que os japoneses. Não sou bobo, entendi que eles estavam se poupando.
“Wagner, os caras tão se segurando para o desafio”, disse para meu amigo e companheiro de seleção.
Um kotô de tatame foi armado em minutos, e em pouquíssimo tempo havia quatro bandeiras sentados nos cantos do kotô, uma torcida barulhenta de caratecas universitários, e até um placar, com duas moças responsáveis. Sensei Yokomichi entrou para arbitrar, chamando os dois primeiros a lutar.
Os dois primeiro brasileiros perderam. Eu era o terceiro a lutar, e antes de entrar, o brasileiro que tinha acabado de perder me disse sorrindo: “não dá para ganhar deles não. Eles são muito rápidos”
Senti o sangue subir à cabeça, tirei o protetor de boca e disse para ele, antes de entrar no kotô: “não dá para ganhar é o cacete!”
Lutei, e venci por 2x0. Estava inspirado.
Wagner entrou e venceu também, 2x0 de novo. O último brasileiro perdeu. Kokushikan 3 x 0. Na verdade não era a seleção brasileira principal, até porque Zanca e Pestana não lutaram no desafio. Mas era o Brasil, de qualquer forma.
Mais uma rodada, 5 contra 5. O Brasil tinha 4, e faltava um. Sensei Sasaki perguntou para algumas pessoas, mas ninguém parecia querer lutar. Me ofereci uma vez, mas ele disse: “você não, Jayme, você está batendo muito no rosto”
“Deixa eu ir” pedi de novo.
Como não tinha mais ninguém querendo, ele suspirou e disse: “Vai, mas cuidado com rosto”
Cuidado nada. Eles estavam batendo pacas. Eu é que não ia esperar para apanhar.
Entrei quando estava 4x0 para os japoneses. Entrei com tudo, empolgado, cheio de vontade.
De cara meti um mawashi-bomba que explodiu na barriga do universitário: 1x 0. Em seguida, dei um ashi barai que desequilibrou o japonês; parti para cima com oi tsuki, crente crente que ia fazer mais um wazari. Mas o garoto tirou um mawashi geri relâmpago da cartola, e mesmo desequilibrado, quase caindo, me deu uma patada no meio da cara. Chegou a estalar. Fiquei com a marca do pé dele no meio do rosto, e senti a cara arder enquanto sensei Yokomichi marcava ipon mais que merecido para ele. Quem mandou querer lutar de novo, haha.
Depois de ver com o coração pesado toda a delegação indo embora, fiquei por um dia em Iidabashi, num albergue. No dia seguinte fui até Korakuen, na sede da NKK: Honbu Dojo. Fui atendido pelo mau-encarado Shimizu. Mas quando mostrei o cartão de sensei Tanaka, ele levantou da cadeira e me levou até uma salinha, me pedindo para esperar. Estava tão nervoso que não sabia se devia sentar ou ficar de pé. Resolvi esperar de pé, por mais de dez minutos.
Fomos de carro até um local afastado, onde só havia trem – nada de metrô -, e onde ocidental era coisa rara. Só fui ver um depois de três dias. Higashi-Koganei era onde ele tinha um escritório, uma espécie de casa de campo onde ele passava os finais de semana. Ele e alguns alunos da Universidade de Tóquio fizeram uma recepção para mim, com comes e bebes. Na hora de ir embora, ele me estendeu a chave e disse “don’t loose”. Eu poderia perder até a cabeça, mas aquela chave jamais.
Foram dias inesquecíveis para mim. Sozinho, eu comia quase sempre em casa, cozinhando macarrão ou comprando alguma coisa no Seven Eleven. Eu treinava na Universidade de Tóquio, em Kokubunji, na academia do sensei, onde além dele também dava aula sensei Imura, e no Honbu Dojo. Treinei muito, até as solas dos meus pés sangrarem pelas rachaduras.
Foi uma experiência incrível, da qual eu tenho muito orgulho.
Vitória, derrota, títulos, tudo isso é secundário. O que vale mesmo são as experiências que se acumulam na vida. É o que fica para sempre. Os troféus e medalhas acabam esquecidos dentro de uma gaveta, se quebram, oxidam. As lembranças ficam.
Depois de sair do Japão passei 6 dias sozinho em Toronto, Canadá. Mas essa história não tem nada a ver com karate...
OSS!

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MUNDIAL JKA 2004 - PARTE 1

A entrada da Budokan.
Dentro do ginásio.

Gotemba. Eu, Paulinho, Roberto Pestana, André Reis e Ugo Arrigoni. Ao fundo o monte Fuji.



Matérias de jornal antes de irmos.




Essa viagem foi, sem dúvida, um divisor de águas na minha vida.
Lembro que ao descer do avião, naquelas escadas que eles acoplam à aeronave, parei por uns instantes antes de pisar pela primeira vez em solo japonês. Para quem pratica karate Shotokan JKA, aquilo era a realização de um sonho.
Nos primeiros três dias ficamos em Gotemba, aos pés do monte Fuji. Confesso que o monte foi uma leve decepção, pois esperava vê-lo com o topo coberto de neve, que é a imagem mais famosa do gigante. Mas naquela época do ano – setembro – Fuji estava marrom, sem nenhum traço de neve. Depois de muitos treinos, e da definição do que cada atleta faria – fui escalado para kata por equipe, com os irmãos Roberto e Paulo Pestana, para kumite por equipes, com Roberto Pestana (RJ), Wagner Pereira (SP), Vladimir Zanca (MT), Juarez (RS), Tiago Camata (PR) e Guilherme Picci (SP) e para o kumite individual – fomos para Tóquio, no bairro central de Shibuya.
Tóquio foi impressionante, desde o início. Um formigueiro humano, principalmente no cruzamento em frente à estação de metrô. Ali, quando todos os sinais de trânsito fecham, ao mesmo tempo, inúmeras pessoas atravessam as ruas, em uma confusão organizada. Sim, organizada, porque tudo no Japão é organizado. Até para fumar há regras rígidas. É proibido fumar na rua, a não ser em “currais”, pequenos espaços demarcados onde é permitido fumar. E as pessoas caminham pelas calçadas em mão e contramão. É o povo mais educado que já vi.
Os bairros de Asakusa (onde há os templos), Yoyogi (onde há um parque lindo), e Akihabara (o paraíso dos aparelhos eletrônicos), ficam bem próximos a Shibuya, e valem a pena serem visitados. Ropongi é o bairro das boates, bares, diversão noturna. Fomos para lá depois da competição, e acabamos bebendo cerveja e saquê em uma boate subterrânea – como a maioria delas.
Me lembro com saudade dos restaurantes nas estações de trem e metrô, onde comíamos oudon com tempura depois de comprar uma ficha por trezentos ou quatrocentos yenes nas maquininhas que ficavam logo na entrada. “Umizo kudasai”, pedíamos pela água, que era servida de graça. No final da refeição, o cozinheiro agradecia lá de dentro: “domo arigato gozaimasu...”
Entrar pela primeira vez na Budokan, cruzando o fosso e atravessando o imenso portão de madeira, foi uma emoção indescritível. Olhando para os imensos blocos de pedra do muro, imaginei a energia que aquele lugar repleto de história teria. Energia de guerras, lutas, guerreiros.
Alguns dias antes do início das competições, pedi para conversar com sensei Machida. “Fale”, disse ele.
“Sensei, depois do mundial eu quero ficar aqui no Japão, treinando. Será que você pode me indicar algum dojô?”
“Ficar aqui? Bem, posso ver. Você vai ficar onde?”
“Pois é, sensei, na verdade não tenho onde ficar.”
“Não tem? Porra, você maruco mesmo!”
Era exatamente aquilo. Ao marcar minha passagem, ainda no Brasil, decidi sem dizer nada para ninguém que ficaria mais quinze dias no Japão. Onde, como, com quem? Isso eu não sabia.
No dia seguinte dessa nossa conversa, Takê – o filho mais velho do sensei – veio conversar comigo.
“Jayme, o que você quer aqui no Japão? É turismo, ou treino mesmo?”, me perguntou com seu sotaque arrastado e sua fala mansa.
“Treino. Nada de turismo.”
“Tudo bem.” Disse, indo embora. Fiquei sem saber o que dizer.
Foi só no dia seguinte que sensei Machida veio de novo falar comigo.
“Jayme, você está disposto a treinar duro? Se quebrar dente, braço, perna, tem que continuar treinando, não pode desistir!”
“Oss, sensei. Não vou desistir. Quero treinar duro mesmo.”
“Então tá. Amanhã, na competição de criança, vou resolver isso.”
Para minha imensa surpresa, sensei Machida me chamou no meio da competição infanto-juvenil e me levou até a mesa dos mestres. Paramos diante de Masahiko Tanaka, ícone da JKA, tricampeão mundial de kumite individual. Eu estava diante de uma lenda viva do Shotokan.
“Você fala inglês?” perguntou-me Machida.
“Falo”
Depois de uma breve conversa com Tanaka, ele me deu um cartão, que parecia queimar em minhas mãos.
“Você liga para ele dois dias depois de competição de adulto. Ele vai levar você. Você vai ficar na casa dele”
Era bom demais para ser verdade.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

XV PANAMERICANO DE KARATE-DÔ SHOTOKAN TRADICIONAL

Montagem feita pelo atleta José Renato Sampaio. No alto, à esquerda, ele está ao lado da lenda Justo Gomes (ARG); no centro, o lugar mais alto do pódio; abaixo, no centro, a Seleção Brasileira Tradicional; abaixo, à direita, ao lado do técnico da Seleção, Nelson Santi (PR); no canto superior direito e no inferior esquerdo, cenas da natureza mato-grossense.


Aconteceu nos dias 14 e 15 de novembro o XV Campeonato Panamericano de Karate-dô Shotokan Tradicional, e o II Torneio Internacional Interclubes, ambos realizados em Cuiabá, capital do Mato Grosso.
Infelizmente, por falta de recursos, não pude participar.
O caribano, ou barioca (nascido e criado na Bahia, mas agora residente no Rio de Janeiro) José Renato sagrou-se campeão do Torneio Internacional na categoria kata individual. O aluno de sensei Enobaldo Athaíde, membro da Seleção Brasileira JKA (V sulamericano, Argentina 2009) fez bonito também no kumitê, onde perdeu na segunda rodada para o campeão, o baiano Alfredo Gama.
Não houve categoria de fuko-gô ou equipe no Torneio Internacional.
No XV Panamericano, Rodrigo Lúcio fez a festa da torcida local, levando o título de kata individual, seguido por Ricardo Buzzi (PR) e Vladimir Zanca, outro mato-grossense. No kumitê, deu Alexsandro Jobson (RN), o atual bi-campeão brasileiro de kumitê individual. O potiguar confirma a ótima fase com o cobiçado título panamericano. No fuko-gô, deu Mato Grosso novamente: Tiago de Lima venceu a finalíssima contra um americano.
Na categoria por equipes festa da torcida brasileira, que viu a seleção ser campeã de kata – Rodrigo Lúcio, Tiago de Lima e Jardson (AC) - e kumitê – Alexsandro Jobson, Vinícius Moreno (MT – Seleção Brasileira da JKA), Helton Aragão (BA) e Ricardo Buzzi.
Parabéns a todos os integrantes da Seleção Brasileira Tradicional.
OSS!

FORMATURA DOS AGENTES DO DEGASE

Todo mundo junto.


Fazendo o cumprimento.


Demonstração de técnica de contenção / condução.



Nessa sexta-feira 13, apesar das superstições, foi dia de festa no DEGASE. Foi a formatura dos agentes, tanto do módulo básico quanto do avançado.
Os agentes, treinados pelos mestres Ugo Arrigoni, Vinício Antony e Eduardo Santos, e pelos instrutores Valério Massimo e Jayme Sandall, mostraram uma enorme evolução, impressionando as autoridades e o público presentes.
Os fundamentos de karate jutsu foram demonstrados de forma mais que satisfatória. Chutes, socos, defesas, deslocamentos, bases, quedas, chaves, torções, técnicas de controle e condução. Tudo isso foi aplicado com consciência e competência, provando que quando se treina duro, com professores qualificados, a evolução é inevitável.
Parabéns aos mais de trinta agentes que se graduaram, às autoridades que compraram a idéia do projeto, e aos mestres que desenvolveram a idéia e trabalharam na formatação do curso.
OSS!

domingo, 15 de novembro de 2009

79 ANOS, E AINDA LUTANDO

Pois é, eu já tinha escrito aqui no blog uma matéria sobre os atletas que desafiam o tempo, e que conseguem se manter na ponta dos cascos após os quarenta anos. Mas essa é demais...
Encontrei alguns vídeos de um campeonato master realizado pela JKA do Japão. Em uma das finais (da categoria acima dos 70 anos), o campeão tem 79 anos.
79 anos! E lutando, cheio de disposição. Essa é a essência do Shotokan, é a real aplicação da filosofia e da diretriz que prega a prática da arte marcial por toda a vida. Vale a pena conferir.
OSS!

http://www.youtube.com/user/tsuruhimeja#p/u/0/FJAHXK01AGc

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

150 lutas


Nesse Sulamericano da Argentina, conquistei algo muito importante para mim. Na luta por equipes entre Brasil e Paraguai, fiz minha luta de número 150 em competições oficiais do Tradicional e da JKA.

Muito tempo se passou desde minha primeira luta, num campeonato estadual de faixa marrom, onde perdi por 2 jogai (regra do Tradicional) simplesmente porque não sabia o que era jogai.

Foram muitas competições estaduais, copas regionais e interestaduais, 7 campeonatos brasileiros Tradicional, mais 7 da JKA, 5 sulamericanos, 2 mundiais...

Foram vitórias, empates e derrotas que me ajudaram a crescer como pessoa e como carateca. Aprendi a lidar com o medo, a insegurança das primeiras competições, quando chegava a ficar sem dormir e sem comer, tamanho era o nervosismo.

Conheci muitos lugares, muitos mestres e lutadores; fiz muitos amigos por todo o Brasil.

Tive o prazer e a honra de treinar com mestres do quilate de Arrigoni, Tanaka, Machida, Sasaki, Yamamoto, Kawawada, Imura, Masahiko Tanaka, Yokomichi, Taniyama, Watanabe, Inoki, Kazuo, Enobaldo, Sant'anna, Gerson, Flávio Costa, Ricardo Arrigoni, Newton Costa... tantos que fica difícil listar todos aqui.

Tive o orgulho de ter como adversários de competições nomes como Chinzô, Lyoto e Takê Machida (PA); Vinicio Antony, Eduardo Santos, Marcus Vinícius, Ruy Cartier, Miguel, Jumbo (RJ); Ricardo Buzzi, Vinícius Sant'anna, Nelson Santi (PR), Vladimir Zanca, Thiago (MT); Helton Atagão, Diogo, Alfredo Gama, Ronaldier Nascimento (BA); Fábio Simões, Wagner Pereira, César Cabral (SP); Rafael Moreira (RS); Takuma Yokoyama (JPN), Cristian Salvemini, Gastón Gomes, Marcelo Monzón, Pablo Parasuco (ARG); atletas da Dinamarca, Venezuela, Suécia, Chile, Paraguai, Uruguai, Bélgica, Tailândia...

Para mim, muito mais importante do que títulos e medalhas foram as amizades que conquistei ao longo desses 15 anos de competições initerruptas, as batalhas que travei dentro dos kotos de cimento, madeira ou tatame, lutando sem luvas, com as luvas finas do tradicional, com as acolchoadas da JKA, enfrentando atletas do Tradicional, da JKA, do Interestilos, da WKF...

Essas experiências não têm preço.

Agora é respirar fundo e tentar bater as 200 lutas.

Até lá.

OSS!