sexta-feira, 27 de novembro de 2009

MUNDIAL JKA 2004 - PARTE 1

A entrada da Budokan.
Dentro do ginásio.

Gotemba. Eu, Paulinho, Roberto Pestana, André Reis e Ugo Arrigoni. Ao fundo o monte Fuji.



Matérias de jornal antes de irmos.




Essa viagem foi, sem dúvida, um divisor de águas na minha vida.
Lembro que ao descer do avião, naquelas escadas que eles acoplam à aeronave, parei por uns instantes antes de pisar pela primeira vez em solo japonês. Para quem pratica karate Shotokan JKA, aquilo era a realização de um sonho.
Nos primeiros três dias ficamos em Gotemba, aos pés do monte Fuji. Confesso que o monte foi uma leve decepção, pois esperava vê-lo com o topo coberto de neve, que é a imagem mais famosa do gigante. Mas naquela época do ano – setembro – Fuji estava marrom, sem nenhum traço de neve. Depois de muitos treinos, e da definição do que cada atleta faria – fui escalado para kata por equipe, com os irmãos Roberto e Paulo Pestana, para kumite por equipes, com Roberto Pestana (RJ), Wagner Pereira (SP), Vladimir Zanca (MT), Juarez (RS), Tiago Camata (PR) e Guilherme Picci (SP) e para o kumite individual – fomos para Tóquio, no bairro central de Shibuya.
Tóquio foi impressionante, desde o início. Um formigueiro humano, principalmente no cruzamento em frente à estação de metrô. Ali, quando todos os sinais de trânsito fecham, ao mesmo tempo, inúmeras pessoas atravessam as ruas, em uma confusão organizada. Sim, organizada, porque tudo no Japão é organizado. Até para fumar há regras rígidas. É proibido fumar na rua, a não ser em “currais”, pequenos espaços demarcados onde é permitido fumar. E as pessoas caminham pelas calçadas em mão e contramão. É o povo mais educado que já vi.
Os bairros de Asakusa (onde há os templos), Yoyogi (onde há um parque lindo), e Akihabara (o paraíso dos aparelhos eletrônicos), ficam bem próximos a Shibuya, e valem a pena serem visitados. Ropongi é o bairro das boates, bares, diversão noturna. Fomos para lá depois da competição, e acabamos bebendo cerveja e saquê em uma boate subterrânea – como a maioria delas.
Me lembro com saudade dos restaurantes nas estações de trem e metrô, onde comíamos oudon com tempura depois de comprar uma ficha por trezentos ou quatrocentos yenes nas maquininhas que ficavam logo na entrada. “Umizo kudasai”, pedíamos pela água, que era servida de graça. No final da refeição, o cozinheiro agradecia lá de dentro: “domo arigato gozaimasu...”
Entrar pela primeira vez na Budokan, cruzando o fosso e atravessando o imenso portão de madeira, foi uma emoção indescritível. Olhando para os imensos blocos de pedra do muro, imaginei a energia que aquele lugar repleto de história teria. Energia de guerras, lutas, guerreiros.
Alguns dias antes do início das competições, pedi para conversar com sensei Machida. “Fale”, disse ele.
“Sensei, depois do mundial eu quero ficar aqui no Japão, treinando. Será que você pode me indicar algum dojô?”
“Ficar aqui? Bem, posso ver. Você vai ficar onde?”
“Pois é, sensei, na verdade não tenho onde ficar.”
“Não tem? Porra, você maruco mesmo!”
Era exatamente aquilo. Ao marcar minha passagem, ainda no Brasil, decidi sem dizer nada para ninguém que ficaria mais quinze dias no Japão. Onde, como, com quem? Isso eu não sabia.
No dia seguinte dessa nossa conversa, Takê – o filho mais velho do sensei – veio conversar comigo.
“Jayme, o que você quer aqui no Japão? É turismo, ou treino mesmo?”, me perguntou com seu sotaque arrastado e sua fala mansa.
“Treino. Nada de turismo.”
“Tudo bem.” Disse, indo embora. Fiquei sem saber o que dizer.
Foi só no dia seguinte que sensei Machida veio de novo falar comigo.
“Jayme, você está disposto a treinar duro? Se quebrar dente, braço, perna, tem que continuar treinando, não pode desistir!”
“Oss, sensei. Não vou desistir. Quero treinar duro mesmo.”
“Então tá. Amanhã, na competição de criança, vou resolver isso.”
Para minha imensa surpresa, sensei Machida me chamou no meio da competição infanto-juvenil e me levou até a mesa dos mestres. Paramos diante de Masahiko Tanaka, ícone da JKA, tricampeão mundial de kumite individual. Eu estava diante de uma lenda viva do Shotokan.
“Você fala inglês?” perguntou-me Machida.
“Falo”
Depois de uma breve conversa com Tanaka, ele me deu um cartão, que parecia queimar em minhas mãos.
“Você liga para ele dois dias depois de competição de adulto. Ele vai levar você. Você vai ficar na casa dele”
Era bom demais para ser verdade.

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