quarta-feira, 17 de julho de 2019

II Campeonato Brasileiro Unificado de Karate











Aconteceu, nos dias 13 e 14 de julho de 2019, o II Campeonato Brasileiro Unificado de Karate.
O mega evento foi realizado no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.
A ideia do Unificado surgiu com o objetivo de colocar o karate nas Olimpíadas. Em 2015, foi realizado o primeiro Mundial Unificado, e em 2016 o primeiro brasileiro. Logo depois a WKF foi oficializada como participante nos Jogos de 2020, e a ideia do unificado sofreu um baque. Mas recentemente saiu a notícia que o karate não será mais um esporte olímpico a partir dos Jogos de 2024. Então, a ideia do Unificado ganhou força novamente.

O sistema da competição é assim: três diferentes tipos de competição, com suas regras próprias, acontecem simultaneamente. O karate geral, com regras de pontos múltiplos (regido pela Confederação Brasileira de Karate Interestilos); o karate de contato, com regras do Kyokushin; e o karate Tradicional, regido pela CBKT

Quando cheguei no Ibirapuera fiquei muito impressionado com a estrutura. O ginásio inteiro estava coberto de tatames: eram 12 kotos!
Havia banners gigantes espalhados por todos os lados, e um telão onde as disputas eram transmitidas ao vivo. As arquibancadas estavam lotadas. Havia cerca de 700 atletas das três diferentes organizações. As filmagens eram feitas com um drone e uma câmera presa a uma grua. Muito profissional!

Para o público, é um evento excelente de se assistir, porque você pode escolher o que ver. Se quer kata, enbu ou kata equipe; se gosta de kumite rápido e versátil da regra multipontos; se prefere a trocação franca e pesada do kyokushi; ou se acha mais interessante as lutas mais estudadas do Tradicional. Tinha karate para todos os gostos.

As disputas do karate Tradicional foram muito acirradas, e o nível estava muito alto. Diversos atletas presentes fazem parte ou já fizeram parte das seleções do Tradicional e da JKA.

No feminino, Martinna Rey (BA) mostrou imensa qualidade técnica, kime e espírito para conquistar o título do kata individual.
No fukugo, a grande final contava com duas atletas da Seleção: Martinna e Suellen Souza (PR).
A luta estava muito tensa e estudada, mas quando Martinna atacou, Suellen fez o golpe que é sua marca registrada, e que ninguém no Brasil (masculino ou feminino) consegue fazer tão bem: puxou a perna da adversária com sua perna da frente, derrubando-a e marcando um belo ipon.
No kumite, Suellen mostou que está imbatível, derrotando na semi- final a atleta da Seleção Brasileira JKA Sara Ladeira (SP). Na final, derrotou a paranaense Fernanda Carreiro.
Na disputa por equipes, São Paulo ficou com o título após disputas muito aciradas contra a equipe do Paraná.

No masculino, o paranaense Jean Laure, atual campeão Sul-Sudeste de kata, provou que vem em ótima fase na modalidade, sagrando-se campeão de kata individual, deixando Andrw Marques (SP), diversas vezes campeão brasileiro JKA, com a prata.
No fukugo, Jean sentiu uma lesão no joelho, e foi derrotado em sua primeira luta. na grande final, César Cabral (SP) derrotou o excelente Caetano da Silva (PR).
No kumite individual as lutas eram verdadeiras batalhas.
Nas semi-finais, de um lado Jayme Sandall (RJ) venceu Anderson Berne (SP) na luta de desempate, com um mae geri. Do outro lado, Rodrigo Arita (SP) perdeu no detalhe para Nathan Malavazzi (RJ)
Na final, uma luta tensa. O placar estava em 1x1 quando Nathan atingiu Jayme com um soco muito forte que abriu um corte profundo. O sangue desceu em profusão. Nathan foi desclassificado, e Jayme declarado campeão.
Na disputa por equipes, o Rio de Janeiro passou na semi-final pela forte equipe do Paraná, enquanto São Paulo vencia a Bahia.
A final só aconteceu no domingo, e a equipe carioca perdeu Jayme, com a lesão no olho.
Mas a equipe não se abalou, e com uma estratégia perfeita empatou as duas primeiras lutas: Diogo Yoshida (RJ) vs César Cabral (SP) e Leonardo Riveiro (RJ) vs Jaime Jr (SP). Na última luta, Nathan Malavazzi venceu o paulista André Azevedo e deu o título para o Rio de Janeiro.


Abaixo, o meu relato do que aconteceu a partir da pancada:

"A luta estava complicada. Para os dois. Um wazari para cada lado, e quem marcasse o próximo ponto seria campeão. E os dois queriam muito o título. De repente ele ataca. Eu tento um deai, mas ele abaixa a cabeça e minha mão do gyako passa reto. Ele abaixa ainda mais a cabeça e dá um soco por cima (parecido com um overhand). E eu sinto uma dor que jamais senti na minha vida! Alguma coisa muito séria tinha acontecido. Imediatamente ele me abraça e fala: 'pegou! Ah não!'
Ele também se assustou com a força da pancada.
Foi completamente sem querer. Um acidente.
A dor aumetou tanto que fui ao chão. O sangue escorria pela minha cara. Muito sangue.
Deitei, e o sangue escorreu pela minha cara entrando no outro olho. Eu não via mais nada. Saía sangue pelo nariz também. Fiquei assustado.
Em cima de mim, médicos, colegas karatecas. Era muita gente.
De repente dei um grito para que todos saíssem.
- Eu entrei sozinho, vou sair sozinho.
Levantei devagar, cumprimentei o árbitro e fui levado para o atendimento.
- Vai ter que levar pontos - disse o médico.
Tudo bem. Isso não tem problema. Mas a dor estava me matando...
Tiraram minha parte de cima do kimono, cheia de sangue, e começaram a limpar minha cara. Eu seguia sem enxergar.
De repente ouvi a chamada para a premiação do kumite individual. Ouvi meu nome como campeão. E aquilo me atingiu com força. Não sei explicar por que, mas me incomodou demais eu estar todo arrebentado, sendo atendido, e ao mesmo tempo ter sido campeão.
- Tudo bem, eu vou tomar os pontos. Mas depois, porque agora vou para o pódio - eu disse para o médico, que já estava ficando irritado comigo.
As pessoas me ajudaram a colocar meu kimono, e colocaram uma faixa em mim, emprestada - a minha estava caída em algum lugar.
Caminhei enxergando um pouco melhor depois que tiraram o sangue da minha cara.
Nathan estava chorando, se sentindo péssimo pelo acidente.
- Nathan, você vai subir no primeiro lugar e eu no segundo - eu disse, e ele me olhou perplexo.
- Não!
- Vai sim - repeti.
- Oss - ele respondeu depois de hesitar e vendo que eu estava inflexível.
E assim foi. Ele recebeu a medalha de ouro e eu a de prata.
Por que eu fiz isso? Nem eu sei. Não estava pensando, raciocinando. Apenas segui meu coração, meus instintos.
Não sou santo, bonzinho, e nem estava querendo ter uma atitude nobre e digna. Nada disso.
Eu segui meus instintos, que gritavam comigo: você não pode ser campeão assim! Não desse jeito!

Tenho 393 lutas oficiais em competições, e jamais havia vencido uma por hansoku. Jamais havia vencido por desclassificação do meu adversário depois dele me acertar um golpe devastador desse. Isso mexeu comigo, me deixou mal. Me deixou péssimo, na verdade.
Eu não fiz isso por ser superior e reconhecer a vitória do adversário. Não sou tão digno assim... fiz por reconhecer para mim mesmo a minha derrota, porque era assim que eu estava me sentindo na hora: derrotado. Não fiz pelo meu adversário, fiz por mim.
Para mim, apesar dos resultados oficiais me declararem campeão, me considero vice. E com orgulho de ter chegado na final de uma competição tão difícil.
OSS"

RESULTADOS

FEMININO

Kata por equipes: 1) SP / 2) PR

Kata individual: 1) Martinna Rey (BA) / 2) Suellen Souza (PR) / 3) Sara Ladeira (SP)

Fukugo: 1) Suellen Souza (PR) / 2) Martinna Rey (BA) / 3) Ana Cherly (CE) - 3) Sara Ladeira (SP)

Kumite por equipes: 1) SP / 2) PR

Kumite individual: 1) Suellen Souza (PR) / 2) Fernanda Carreiro(PR) / 3) Ana Cherly (CE) - 3) Sara Ladeira (SP)


MASCULINO

Kata por equipes: 1) SP / 2) BA / 3) PR

Kata individual: 1) Jean Laure (PR) / 2) Andrew Marques (SP) / 3) Rodrigo Arita (SP)

Fukugo: 1) César Cabral (SP) 2) Caetano da Silva (PR)

Kumite por equipes: 1) RJ 2) SP / 3) PR - 3) BA

Kumite individual: 1) Nathan Malavazzi (RJ) / 2) Jayme Sandall (RJ) 3) Anderson Berne (SP) - 3) Rodrigo Arita (SP)


3 comentários:

Roberto Pestana Jr. disse...

Independente do motivo que possa ter te levado a fazer o que fez, foi muito bonito. Admito que me emocionei na hora. No meu caso era uma mistura de sentimentos, onde eu estava na condição de técnico dos dois atletas (Jayme e Nathan), muito feliz em ver dois atletas do Rio na final. De um lado o Jayme, meu amigo e colega de seleção, e dou outro o Nathan, um "garoto" com muito talento e um futuro brilhante dentro dos dojos. Apesar de me posicionar no momento da luta apoiando o Jayme como tecnico, ficaria muito feliz tb com a vitoria do Nathan. Ou seja, a atitude do Jayme fez com que ambos tivessem a condição de vencedores. A atitude foi um verdadeiro ippon. Resultado: Um velho de 51 anos de 115 kgs chorando!

Filho de Oxalá disse...

Jayme, hoje sou aluno do mestre Ugo Arrigoni, e já conheço você faz tempo. Sempre tive uma enorme admiração e respeito pelo seu karatê, hoje tenho também pela sua escrita, hombridade e seu caráter. A cada dia você se torna mais completo.
Ass. Roque
Oss!

Juliano C. Pereira disse...

Entendo as circunstâncias e a atitude, porém se um overhand com a cabeça baixa é completamente fora da regra e causa um acidente, não há motivos para polêmica. Se os dois atletas concordam em lutar seguindo um tipo de regra e no meio da luta algo foge completamente disto se torna completamente injusto para aquele que seguiu a regra desde o início, seria a mesma coisa que achar um boxeador vitorioso por ter nocauteado o oponente com um chute.

Obs:Entendo que o golpe foi acidental